“Se insistirem em pôr-me rótulos, chamem-me primeiro ser humano, depois pacifista e por último cantora folk”. Eis a abertura de uma entrevista simpática a Joan Baez, trazida à estampa pela “Actual” da última semana. Abertura curiosa, se observarmos ainda a crónica semanal de Ricardo Costa, ao caderno principal do Expresso, com o título ”ideias feitas”. Para o cronista e director-adjunto do semanário, os debates com os candidatos à liderança do PSD mostraram que, apesar dos rótulos que se lhes pegaram, “Passos Coelho não está mal preparado”, “Rangel não é o Jack Bauer do PSD” e “Aguiar Branco não tem vocação para a santidade”.
É verdade, o mundo anda cheio das “ideias feitas” de que fala o Ricardo Costa e dos “rótulos” a que a alude a Joan Baez. E é verdade também que, salvo junto de algumas mentes mais esforçadas, é difícil descolar da testa esse tipo de pré-conceitos. Talvez porque todos encerrem, afinal, uma ponta de verdade. Talvez porque dê muito trabalho distinguir o nome da coisa.
Coimbra, “cidade dos estudantes”, “capital do conhecimento”, “capital da saúde” ou “cidade museu"... concedo na boa intenção de quem se lembrou destas honrosas alcunhas. O objectivo seria, talvez, dar coesão à identidade coimbrã, projectar-lhe uma vocação estratégica ou, como se diz agora, “vender-lhe a marca” - não há mal nenhum com isso. Porém, creio que Coimbra se levou demasiado a sério no assunto e anda há demasiado tempo refém daquelas “ideias feitas”.
As “capitalidades de Coimbra” – universitárias, sanitárias ou culturais – deixaram há muito de lhe apontar um rumo e passaram, apenas, a estreitar-lhe o caminho. Coimbra deixou de se inspirar nelas e passou a suspirar por elas. E todo o potencial libertador que lhes tenha cabido um dia, transformou-se, afinal, numa prisão.
A cidade deixou de olhar para as vocações “universitária”, “cultural” ou “medico-científica” como meras oportunidades e passou a vê-las como últimas oportunidades. Como tábuas de salvação que, por ironia, a paralisam. Se não aconteceu até hoje, não vejo que se possa esperar grande progresso em Coimbra, a crédito dos chavões do passado. E já nem é certo que eles nos distingam assim tanto, no Portugal do presente.
Talvez tenha chegado a hora de inventar novas “capitais”. Talvez Coimbra deva abrir-se à participação de todos. Talvez deva ser livre para escolher o seu destino. Deixando todas as portas em aberto. Soltando-se de velhas amarras e levando a imaginação ao poder. Talvez Coimbra deva voltar a ser, apenas, capital de si própria.
Paulo Valério, no Jornal de Notícias
2010.03.09
terça-feira, 9 de março de 2010
Capital
Etiquetas: Opinião
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Acho que o artigo, apesar de tudo, sofre do problema muito comum em Coimbra: uma amargura em relação ao que se teve, mas sem valorizar aquilo que se tem. A Universidade e saude, além de outras coisas, continuam ser actividades diferenciadoras no pais e que devem ser desenvolvidas. O que se tem de fazer, acho eu, (e a Universidade tem-lo feito) é lutar por objectivos, convocando todos os actores relevantes, e não repousar sobre glórias passadas.
ResponderEliminarPedro Vieira Alberto