Encheu-se de povo o Gil Vicente, faz na próxima quinta-feira uma semana. Não era uma assembleia magna, nem um comício, nem o lago dos cisnes, nem coisa do género. Era Coimbra às ordens da sua consciência, Coimbra a dizer que está viva e que desperta quando é preciso, quando vale a pena, quando tem mesmo que ser. A Saúde em Português convidou vários músicos da região para um concerto de apoio às vítimas no Haiti e desafiou os conimbricenses a estar presentes. A resposta não podia ter sido mais esmagadora: uma casa cheia e um concerto inesquecível.
Naquela noite – com um frio de fazer bater os dentes – não foi a Coimbra resignada, nem a Coimbra da lamúria, que sairam à rua. Um por um, os que estiveram presentes no Gil Vicente – e muitos dos que não puderam estar - foram aqueles que não se conformam: nem com as injustiças, nem com a indiferença. Olhos nos olhos, os olhos que se cruzaram no foyer denunciam uma cidade de gente solidária, gente de convicções, gente que se reconhece e que se surpreende, até, com a sua própria força. Como eu, creio que foram muitos os que, vendo aquela casa cheia, percebendo que foi possível arrecadar mais de sete mil euros para ajuda humanitária, sentiram um calafrio. E perceberam como têm força os que se juntam pelas causas certas.
É sempre assim. Como um vulcão adormecido durante séculos e que, de repente, acorda para arrasar tudo à sua volta. Também como um terramoto, que em escassos segundos põe termo a uma quietude milenar e nos recorda que nada é eterno. Em Coimbra, a resposta ao terramoto no Haiti foi o sobressalto da sua própria natureza: a Coimbra que esteve no Gil Vicente não foi a Coimbra que desiste, foi a Coimbra que acredita; não foi a Coimbra que se apaga no tempo, foi uma Coimbra que se ergue e existe. Uma Coimbra generosa, solidária, mas também uma Coimbra de cultura.
Brigada Victor Jara, Gerações, Cordis, Inês Santos, Rui Pato, entre outros, só uma amostra da cidade das artes que fervilha por aí. Que fervilha e que fervilhará, até ferver de vez e nos lembrar que não é possível "viver habitualmente", todos os dias, para todo o sempre. Ao contrário do que muito vaticinam, e apesar de tudo, Coimbra mantém uma especial capacidade de nos surpreender. E lembra-nos que o silêncio é o leito onde se deitam as melodias mais sublimes.
terça-feira, 2 de fevereiro de 2010
Melodias sublimes
Etiquetas: Opinião
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Encheu-se o Gil Vicente e encheu-se Coimbra de brio e de coragem, mostrando que existe, que mexe e que graças aos conimbricences e ás suas instituições, quando se quer a obra nasce. E contra os poderes instituídos, continua a ser uma lição: de amor, de tradição, mas também de atitude solidária e fraterna. E nunca é de mais lembrar a capacidade mobilizadora da "Saúde em Português" e em especial a três jovens - Mónica, Fátima e Sofia - que em pouco tempo, a comer mal e a dormir pouco, conseguiram pôr de pé um evento com aquela dimensão e de que muitos duvidavam. Só assim se conseguiu ter uma equipa (médico+enfermeira) na frente de catástrofe.
ResponderEliminarÉ Coimbra em todo o seu fulgor contra a injustiça e a indiferença.