No segundo sábado de cada mês, a associação Arte à Parte e os estudantes do curso de Estudos Artísticos, da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, levarão à Alta Coimbrã “novas paisagens sonoras”. A iniciativa chama-se Mercado Quebra-Costas e promete quebrar a espinha dos mais conformados, na cultura Coimbrã.
Artesanato, moda e gastronomia; música, teatro, poesia e dança. A “sociedade civil” a apontar o caminho, mais uma vez, quando a “sociedade política” caminha, aparentemente, para lado nenhum. E para dizer a verdade, ainda bem que é assim. Ao contrário do que às vezes se diz, a cultura não é coisa que se decrete.
De facto, muita da discussão sobre cultura nas cidades, especialmente em Coimbra, pressupõe o poder autárquico como uma espécie de promotor geral da oferta. “A Câmara devia fazer mais isto”, “o vereador devia fazer mais aquilo”. A ideia é a de que os políticos definem o “quem”, o “como”, o “quando” e o “onde” da cultura. A cultura urbana como reflexo das preferências de quem nos governa e temperada, talvez, por esta ou por aquela contingência eleitoral. Convenhamos que não é uma grande visão do futuro.
Pelo contrário, acho que os políticos devem fazer menos e deixar fazer mais. Em matéria de cultura, dispenso uma autarquia que seja, essencialmente, promotora de eventos. E dispenso, mais ainda, uma que se transforme em empresa de casting, pronta a seleccionar quais os projectos que vêem ou deixam de ver a luz do dia. Os responsáveis políticos, neste domínio, devem acarinhar a iniciativa, estimular a diversidade e, se possível, proporcionar aos agentes culturais – a todos eles – condições de incubação dos seus projectos.
A cultura é um daqueles sectores em que a esquerda – democrática, entenda-se – deve clamar por menos Estado. Não por menor intervenção do Estado, mas por uma intervenção pública que seja o garante da diversidade, ao invés de ser um seu espartilho. Acredito num regime de cultura. Mas rejeito, à partida, uma cultura de regime.
Um ambiente de liberdade criativa e de igualdade de oportunidades, eis o que se pede a Coimbra e o que a compromete, seriamente, quer com a cultura, quer com a democracia. Tudo o resto, da mera passividade ao dirigismo político, passando pela toponímia rodoviária, não é cultura, é propaganda.
Paulo Valério
Jornal de Notícias - 2010/03/16
terça-feira, 16 de março de 2010
Regime de cultura
Etiquetas: Opinião