terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

O poder é solúvel

Partilhar

Eu gosto do professor Marcelo Rebelo de Sousa. A sério que sim. Tenho uma predilecção por gente inteligente, com um pensamento estruturado e com ideias próprias. São poucos, no espaço público – particularmente na política - os que reúnem essas condições. Há muitos espertos que, no contexto certo, desfilam pela passarela das vaidades que alimentam o mundo. Normalmente, desconexos no pensamento, prolixos e incapazes de verter duas ideias em português correcto, ainda que sem veleidades de estilo. Porém, e na maior parte dos casos, deviam ater-se a abrir o piano – alguns apenas a carregá-lo – ao invés de se aventurarem pelo marfim, logo a quatro mãos, como é costume fazerem.

E é por isso que, apesar dos pesares – o professor não é do meu partido, está longe de ser um comentador isento e fala sobre demasiadas coisas ao mesmo tempo – nutro por ele uma certa admiração. Em parte porque, ao contrário do que acontece com as cabeças duras, acredito ser sempre possível mudar, pelo convencimento, um homem inteligente.

Li, pois, com atenção, a entrevista que deu no passado sábado a um jornal diário regional. E, particularmente, o modo como comentou o desempenho do presidente da Câmara de Coimbra. Dessa leitura, sai reforçada a ideia de que o professor é, de facto, um homem inteligente.

É que, nem mesmo eu – que às vezes me dedico a não dizer coisa nenhuma em duas milenas de caracteres – seria capaz de um nó cego como o do professor, quando teve que comentar os méritos do nosso presidente da Câmara. “Carlos Encarnação virou Coimbra para o século XXI, recriando um centro político e ultrapassando clivagens muito fundas entre direita e esquerda.”, foi o que disse Marcelo Rebelo de Sousa na ocasião.

Ora, o que é engraçado não é só perceber que esta fórmula, no caso concreto, ilude a incompetência política do dr. Encarnação e o definhamento a que deixou chegar a cidade de Coimbra sem, ainda assim, o deslustrar. Engraçado é perceber que o professor, não apenas conseguiu isso, como desenvolveu uma fórmula apta a comentar todos os autarcas sem obra feita, mas a quem deva ainda algum tipo de simpatia.

Resta perguntar se os desempregados de Coimbra se devem sentir particularmente comprazidos pelo etéreo contributo do dr. Encarnação para a viragem do século. Ou se a tal ultrapassagem de clivagens entre esquerda e direita deve compensar o facto de, à nossa volta, nos ultrapassarem, pela esquerda e pela direita, todos os dias. Mas isso não preocupa nem o professor Marcelo, nem o dr. Encarnação.. É o que acontece quando já nem se acredita que o poder é, de facto, solúvel.

Sem comentários:

Enviar um comentário